domingo, 24 de abril de 2011

Proteção Divina

Nesse tempo de Semana Santa, as imagens de fervor religioso ganham mais espaço na mídia, e com ele meu espanto nas demonstrações de fé das pessoas.

No geral, a religião, a crença de deus, é uma forma de buscar amparo, proteção, ajuda para superar dificuldades. Ter em quem se fiar, independente das dificuldades.

É ter a quem agradecer ao se conquistar algo, como se as ações nossas ou de terceiros não fossem suficientes para alcançar o resultado.

Cada pessoa tem seu deus, e uma relação pessoal com ele, muitas vezes adicionando elementos incompatíveis com a própria essência da religião.

Muitas vezes, nossas orações têm objetivos excludentes ao de outras pessoas, ao passo que, quando pedimos ajuda a deus, queremos que ele prejudique outras pessoas em nosso favor.

O exemplo extremo de tal constatação é o agradecimento a deus pela vitória em uma partida de futebol, ou mesmo por fazer um simples gol.

“Graças a Deus conseguimos virar o  jogo...”; “Deus me abençoou com o gol...”, quantas vezes escutamos na mídia estas demonstrações de fé. Não seria tal ilação no mínimo egoísta?
Quem pensa dessa forma é realmente imbuído dos sentimentos pregados pela religião? Afinal, por que achar que um ser superior iria favorecer alguém, consequentemente prejudicando outros? Seria isso justo? Pois se a partida foi ganha, graças a deus, pode ser que o time perdedor até estivesse mais preparado, mas perdeu graças a deus que ajudou o outro.

Rezamos pedindo para passar no vestibular, para arranjar emprego. Será que alguém quem estudou mais, ou está mais preparado, seria prejudicado por deus, só porque não foi suficientemente adulado?

Passamos por cirurgias complicadíssimas, diversas pessoas envolvidas para anestesiar, estabilizar, cortar, costurar e agradecemos a deus. Será que sem a reza deus iria fazer alguém cometer um erro?
E todo o esforço da equipe médica foi em vão, já que tudo correu bem graças a deus? Não seria melhor se deus não tivesse permitido nem que a cirurgia fosse necessária?

O mesmo ocorre nas tragédias. “agradeço a deus por estar vivo” - por minha conta agora - “obrigado por ter desabado aquele morro em cima de mim, me quebrado todo, me deixado ficar no hospital durante meses sofrendo dores terríveis, matado todo o resto da minha família”.

Ou “Graças a deus a tragédia não foi maior”. Pô, porque graças a deus não houve tragédia?

Sempre atribuímos a Deus a parte boa do fato,  nem que a parte boa seja a situação não ser pior. Como que as pessoas conseguem concluir que Deus contribuiu para ajudar e desprezam a causa do fato? Quem causou a situação que deus teve que intervir? Ele próprio ou algum de rival seu? Ou aí entra o acaso? E deus não tem controle sobre o acaso, só consegue minorar o estrago depois que já está acontecendo, tipo os bombeiros?

Nem os fieis mais fervorosos têm essa proteção divina que vejo nos adesivos assim tão eficiente. É teto de igreja que desaba, é ônibus de romeiro que capota, credo!

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Soprar ou não Soprar, eis a Questão

O art. 165 do CTB que trata da infração de dirigir sob influência de álcool, já teve 3 redações. Antes, o condutor somente poderia ser autuado se se submetesse ao teste do etilômetro. Se não aceitasse realizar este, ou mesmo outros testes, não poderia ser aplicada a multa, pois não havia a previsão de incidência em caso de recusa.

Ao contrário do alardeado por aí, sobre suposta violação ao direito de “não produzir prova contra si mesmo”, a aplicação da penalidade pela simples recusa em se submeter ao teste, ou mesmo a caracterização da infração, mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, em nada afronta o princípio constitucional.

O ato de dirigir é uma permissão concedida pelo Estado, a qual, quem , caso queria, deve se submeter às condições estabelecidas, entre elas a de não conduzir veículos após ingerir bebida alcoólica.

Se assim fosse, seria normal o condutor de veículo se recusar a exibir a CNH, vencida, ao policial, pois estaria fazendo prova contra si mesmo.
Ou seja, no tocante à infração de transito, que tem natureza de irregularidade administrativa, o atual regramento, não obstante considerações sobre rigor excessivo e divergências de aplicação, bem resolveu a questão.

Mas a questão do crime também foi alterada, e nesse ponto, a situação ficou pior, para não dizer ridícula.

Antes, era crime “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”.

Havia a discussão se o dano potencial seria o próprio ato de conduzir o veículo sob a influência de álcool ou se seria necessário algo a mais tal como excesso de velocidade, falta de controle do veículo, etc.

Bem ou mal, havia a possibilidade de se aplicar a lei. Agora, a lei define o crime como “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas...”.

Ou seja, somente se tipifica o crime com a realização de algum exame que indique a concentração de álcool. Como tais exames necessitam da concordância do condutor, que pode recusá-los e aqui, com razão, tem direito a não produzir prova contra si mesmo, ninguém em sã consciência, por mais bêbado que esteja, aceita de submeter ao exame.

Já que não basta a simples recusa para configuração do crime, a decisão de tipificação fica totalmente ao alvitre do agente! Basta se recusar a realizar o teste do etilômetro para ser inocente, independente de qualquer outra prova que por ventura exista.

Seria a mesma coisa de se condicionar a concretização do crime de homicídio ao exame residuográfico no suspeito, o qual poderia, pelo princípio citado, se recusar a se submeter.

Não havendo o teste, não haveria o crime, mesmo com o corpo alvejado por projéteis.

Pode até ser que a intenção do tal legislador seja justamente dificultar a existência do crime, processos, etc, preferindo resolver tudo na seara administrativa, apenas com aportes financeiros.

Mas como explicar para a opinião pública porque algum chapadaço saiu livremente, só com uma multinha, ao ser flagrado dirigindo???

Chega a ser vergonhosa tal situação, ao ponto de entendimentos jurisprudenciais se esforçarem em criar entendimentos sobre a desnecessidade do exame específico.

Porém, no texto da lei, fica claro para qualquer um, que o óbvio é recusar-se a realizar o exame, caso seja flagrado conduzindo veículos após ter bebido, pois dos males, o menor, melhor tomar a multa por se recusar que além da multa, metrologicamente constatada, ainda ser preso. Depois, basta inventar uma desculpa do porquê “preferiu” não realizar o teste.

Vai aí algumas desculpas possíveis: “canudo eu costumo é aspirar, não soprar”; “minha religião não permite que eu encoste minha boca em orifícios antes do casamento”...  Invente a sua!

"Prefiro não Constatar"

Ao “preferir não fazer” o teste do etilômetro, o senador “preferiu” ser autuado pela infração de "dirigir sob a influência de álcool", mesmo que assim não estivesse, pois o CTB estabelece que se aplicam "as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos", entre eles o etilômetro. Preferiu ser multado por infração gravíssima, a receber sete pontos no prontuário e a responder processo administrativo que pode resultar em suspensão do direito de digirir por até doze meses, a dar uma simples soprada.

É difícil se compreender a lógica do senador em "preferir" não realizar o teste somente porque não poderia mesmo prosseguir dirigindo, já que sua CNH estava vencida. Afinal, o custo de sua preferência foi muito alto por uma simples sopradinha. Mesmo que não pudesse prosseguir dirigindo, bastava se submeter ao teste, que, ao se constatar que não dirigia após ingerir bebida alcoólica, estaria isento de ser multado em quase mil reais e de poder ficar até um ano sem dirigir, fora a repercussão do caso.

Situação diferente seria de um condutor que estivesse dirigindo com nível de álcool acima da ínfima quantidade a configurar a infração. Este sim teve temer o teste, e preferir não realizá-lo, pois ao se constatar o resultado positivo, além da infração de trânsito, pode se tipificar o crime de conduzir veículo sobre influência de álcool.

Não sei se a "preferência em não fazer" da figura pública foi um bom ou mau exemplo. Pode-se se considerar que foi um mau exemplo, um dos responsáveis por elaborar as leis de nosso país, se recusar, ou melhor, preferir, não se submeter ao teste do etilômetro, dando azo a  elucubrações várias.

Por outro lado, foi um bom exemplo de como as leis neste país são mal feitas.
Desde a elaboração do CTB que a questão álcool e direção não tem um tratamento correto.

Várias alterações já foram realizadas, mas, se conserta de um lado, estraga de outro.

Já já eu explico porquê.